quinta-feira, 22 de fevereiro de 2018

Alguns problemas da argumentação

Na parte argumentativa do texto, defende-se o ponto de vista apresentado (preferencialmente) na introdução. Para fazer isso com eficiência, é preciso utilizar dados corretos e ser coerente. A maior parte das falhas na argumentação decorre de raciocínio errado ou de informações que não condizem com a realidade.
Entre os problemas comuns, está o uso de totalidades indeterminadas. Esse uso consiste em atribuir certos comportamentos ou características a toda uma categoria de pessoas, o que leva ao pecado da generalização. É o que se vê nesta passagem de uma redação sobre o novo papel da mulher na sociedade:
As mulheres modernas, influenciadas pelos ideais feministas, não consideram o casamento como o maior objetivo de realização pessoal, mas a conquista da independência financeira. Esse fato é determinante nas relações amorosas.”
Por mais que haja mulheres que não tenham o casamento como objetivo supremo, sempre existem as exceções (que por sinal ainda são muitas). Generalizar termina constituindo uma inverdade. Tenha em mente que o primeiro dever de quem escreve é ser verdadeiro.
    Outro problema comum é o uso inadequado de termos referentes a determinados ramos do saber (filosofia, psicologia, sociologia etc.).  Vocábulos como “livre-arbítrio”, “sofisma”, “autoestima” têm um sentido preciso. Empregá-los indevidamente gera confusão conceitual e fragiliza o que o redator supunha ser um trunfo (a palavra não deve entrar no texto apenas por ser bonita, dar prestígio; ela tem que significar).  
Um de nossos alunos iniciou uma redação sobre autoestima da seguinte forma:  “A autoestima é a análise subjetiva de uma pessoa sobre si mesma. Muitas vezes ela acaba sendo erroneamente relacionada ao sucesso pessoal.”  A autoestima não se confunde com a autoavaliação. Não é uma análise, mas um sentimento. Aplica-se a quem tem respeito ou amor por si próprio.
Compromete ainda a força argumentativa do texto a falta de conexão entre as ideias. Um exemplo é esta passagem de uma redação sobre a influência da mídia nas escolhas pessoais:
“A personalidade de cada pessoa caracteriza quem ela realmente é. Devido a isso é comum ver indivíduos que perdem o controle sobre seu modo de ser e acabam seguindo um modelo imposto pela mídia.”
No primeiro período o aluno define personalidade. No segundo, afirma que essa marca pessoal determina que os indivíduos percam o controle sobre si mesmos e se deixem levar pela mídia! Aparentemente, é o contrário. Não está clara e relação entre uma coisa e outra.
         Muitas vezes a falta de nexo decorre de uma estruturação insuficiente, que deixa implícita parte do que se quer dizer. Por exemplo: “É natural que os jovens busquem o espaço privado dos shoppings, pois além de ser um local valorizado por nossa sociedade centrada no consumo, as próprias cidades brasileiras sofrem com a falta de infra-estrutura.”
        De início não se percebe a relação entre a falta de infraestrutura das cidades e fato de os jovens buscaram os shoppings para se divertir. Há contudo um leve nexo, que não foi explicitado. O trabalho de refeitura ajudou a preencher a lacuna: 
“É natural que esses garotos busquem o espaço privado dos shoppings. Além de serem locais valorizados por nossa sociedade, centrada no consumo, os shoppings constituem uma alternativa para as cidades brasileiras, que sofrem com a falta de infraestrutura.”
Outra falha comum no domínio argumentativo são as falsas afirmações. Nem sempre os exemplos ou as ilustrações apresentados batem com a realidade. Por simplificação ou mesmo distorção dos fatos, o aluno informa o que não se constata no dia a dia. Interpreta os dados do real por uma ótica às vezes maniqueísta, às vezes muito redutora. Seguem dois exemplos com os respectivos comentários:
-- “As relações humanas são condicionadas pelo poder. Famílias ricas evitam o contato com os pobres, e até se incomodam com a ascensão financeira das classes C e D.”
É verdade que o poder determina em grande parte as relações humanas, mas não se pode dizer que as famílias ricas evitam o contato com os pobres sem especificar em que circunstâncias ocorre tal segregação. Nem todo rico despreza a pobreza.   
         -- “Ao longo da história da humanidade o papel e a importância do idoso mudou drasticamente. No período clássico eles eram os lideres e sábios, após a Revolução Industrial se tornaram objetos que podem ser descartados.”
Ainda há muito preconceito contra os velhos, mas também se observa hoje uma valorização das pessoas da terceira idade. Prova disto são as medidas tomadas pelo governo para facilitar-lhes a locomoção nas ruas, o acesso aos transportes coletivos, a prioridade em filas de bancos, cinemas etc. Sendo assim, é inexato dizer que as pessoas nessa faixa de idade são descartadas.
A argumentação é por excelência o domínio em que pensamento e linguagem devem se ajustar. Escrever bem é pensar bem, e para isso é preciso conhecer a língua. Esse conhecimento tem, por si, um efeito persuasivo. Argumentos mal formulados pedem a força; mais comprometem do que valorizam o texto.


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