segunda-feira, 6 de novembro de 2017

O tema de redação do Enem 2017

         As apostas eram risco de terrorismo no Brasil, crise hídrica, mobilidade urbana e que tais. A redação do Enem 2017, a exemplo do ano passado, voltou a se concentrar em comportamento. Na versão anterior se falou de preconceito (contra raça e religião), agora se aborda a educação dos surdos – um tema que também remete a preconceito e exclusão.
            Muitos sabiam da possibilidade de o Enem tratar da educação inclusiva. O que surpreendeu foi a limitação do enfoque à comunidade surda. Essa vinculação a um grupo representou um desafio a mais para o candidato. O que ele poderia fazer num caso assim? Como criar ideias e argumentos sobre um tema de âmbito restrito?  
Um dos recursos era associá-lo a temas correlatos, como o do próprio preconceito; ele é o maior obstáculo às estratégias inclusivas, pois tende a estigmatizar “o outro” e rejeitá-lo. Textos já produzidos sobre esse tema, ou mesmo sobre a exclusão de outro grupo, poderiam servir de referência desde que o aluno mantivesse o foco temático (um cuidado importante para assegurar a coerência e a unidade).
Outro recurso, sempre ressaltado em classe, era aproveitar os textos motivadores. A banca apresenta quatro, sendo dois verbais, um na forma de gráfico e outro como um anúncio publicitário. O primeiro é um fragmento da Constituição e destaca os direitos que a pessoa deficiente tem a se educar (“assegurados sistema educacional inclusivo em todos os níveis e aprendizado ao longo de toda a vida”). A inclusão entra como um tópico que podia ser tratado num parágrafo; o aluno poderia especular em que ela consiste, quais seus possíveis efeitos, e questionar a sua prática (ou não) no Brasil.
          O segundo texto motivador apresenta um gráfico mostrando que o número de matrículas de surdos caiu entre 2011 e 2016 tanto nas classes comuns como nas especiais. Esse número é maior nas primeiras (de turmas inclusivas), mas a tendência de queda podia servir de contraponto argumentativo ao dispositivo constitucional citado acima. A despeito do que estabelece a Constituição, a prática de juntar na mesma classe deficientes e não deficientes vem se reduzindo. Qual seria o motivo disso e o que fazer para frear essa tendência?  
O terceiro texto motivador consiste num cartaz publicitário e trata o tema da inclusão no âmbito profissional. Remete, assim, ao desafio da inserção dos surdos no mercado de trabalho. Com olhos baixos (um pouco céticos, mas ainda esperançosos), um homem pergunta se tem espaço para ele nesse mercado. Em tipos menores, lê-se que o trabalho não tolera preconceito e que se devem valorizar as diferenças. Um questionamento possível desse texto seria em que o preconceito compromete a obtenção de emprego. Não era difícil propor os motivos e justificá-los.  
O quarto texto motivador, por fim, é o extrato de um documento oficial que historia o processo educacional do surdo. Nele basicamente se afirma que os deficientes auditivos só começaram a ter acesso à educação durante o Império, quando se criou a primeira escola para crianças surdas, e que só em 2002 foi sancionada a lei que reconhece a Libras como segunda língua oficial do Brasil. Esse reconhecimento foi fundamental, já que a Libras é um código que os surdos captam e transmitem naturalmente. É o referencial comunicativo em função do qual se reconhecem e pelo qual pleiteiam uma efetiva atuação social. Isso deveria ser destacado num tema que trata da educação, pois é pela linguagem que a identidade de pessoas e grupos se edifica e ganha visibilidade diante dos outros. Valia a pena destacar isso.  
Na proposta de intervenção social, o candidato poderia mencionar a necessidade de o governo cumprir a Constituição, garantindo e fortificando o ensino da Libras. Poderia também destacar a necessidade de se vencer o preconceito mediante a intensificação do contato entre surdos e ouvintes. Outra medida, inspirada no terceiro texto motivador, era cobrar do Legislativo a criação de leis que obrigassem as empresas a aceitar os deficientes auditivos -- ou, no caso de elas existirem, fazer o Judiciário fiscalizar o seu cumprimento.

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