As
apostas eram risco de terrorismo no Brasil, crise hídrica, mobilidade
urbana e que tais. A redação do Enem 2017, a exemplo do ano passado, voltou a se concentrar
em comportamento. Na versão anterior se falou de preconceito (contra raça e religião),
agora se aborda a educação dos surdos – um tema que também remete a preconceito
e exclusão.
Muitos sabiam da possibilidade de o
Enem tratar da educação inclusiva. O que surpreendeu foi a limitação do enfoque
à comunidade surda. Essa vinculação a um grupo representou um desafio a mais
para o candidato. O que ele poderia fazer num caso assim? Como criar ideias e
argumentos sobre um tema de âmbito restrito?
Um dos recursos era associá-lo a temas
correlatos, como o do próprio preconceito; ele é o maior obstáculo às estratégias
inclusivas, pois tende a estigmatizar “o outro” e rejeitá-lo. Textos já produzidos
sobre esse tema, ou mesmo sobre a exclusão de outro grupo, poderiam servir de
referência desde que o aluno mantivesse o foco temático (um cuidado importante
para assegurar a coerência e a unidade).
Outro recurso, sempre ressaltado em
classe, era aproveitar os textos motivadores. A banca apresenta quatro, sendo
dois verbais, um na forma de gráfico e outro como um anúncio publicitário. O
primeiro é um fragmento da Constituição e destaca os direitos que a pessoa
deficiente tem a se educar (“assegurados sistema educacional inclusivo em todos
os níveis e aprendizado ao longo de toda a vida”). A inclusão entra como um tópico
que podia ser tratado num parágrafo; o aluno poderia especular em que ela consiste,
quais seus possíveis efeitos, e questionar a sua prática (ou não) no Brasil.
O segundo texto motivador apresenta um gráfico
mostrando que o número de matrículas de surdos caiu entre 2011 e 2016 tanto nas
classes comuns como nas especiais. Esse número é maior nas primeiras (de turmas
inclusivas), mas a tendência de queda podia servir de contraponto argumentativo
ao dispositivo constitucional citado acima. A despeito do que estabelece a Constituição,
a prática de juntar na mesma classe deficientes e não deficientes vem se
reduzindo. Qual seria o motivo disso e o que fazer para frear essa tendência?
O terceiro texto motivador consiste num cartaz
publicitário e trata o tema da inclusão no âmbito profissional. Remete, assim, ao
desafio da inserção dos surdos no mercado de trabalho. Com olhos baixos (um
pouco céticos, mas ainda esperançosos), um homem pergunta se tem espaço para
ele nesse mercado. Em tipos menores, lê-se que o trabalho não tolera
preconceito e que se devem valorizar as diferenças. Um questionamento possível desse
texto seria em que o preconceito compromete a obtenção de emprego. Não era difícil propor os
motivos e justificá-los.
O quarto texto motivador, por fim, é o extrato
de um documento oficial que historia o processo educacional do surdo. Nele basicamente
se afirma que os deficientes auditivos só começaram a ter acesso à educação durante
o Império, quando se criou a primeira escola para crianças surdas, e que só em
2002 foi sancionada a lei que reconhece a Libras como segunda língua oficial do
Brasil. Esse reconhecimento foi fundamental, já que a Libras é um código que os
surdos captam e transmitem naturalmente. É o referencial comunicativo em função
do qual se reconhecem e pelo qual pleiteiam uma efetiva atuação social. Isso
deveria ser destacado num tema que trata da educação, pois é pela linguagem que
a identidade de pessoas e grupos se edifica e ganha visibilidade diante dos outros.
Valia a pena destacar isso.
Na proposta de intervenção social, o candidato
poderia mencionar a necessidade de o governo cumprir a Constituição, garantindo
e fortificando o ensino da Libras. Poderia também destacar a necessidade de se vencer
o preconceito mediante a intensificação do contato entre surdos e ouvintes. Outra
medida, inspirada no terceiro texto motivador, era cobrar do Legislativo a criação
de leis que obrigassem as empresas a aceitar os deficientes auditivos -- ou, no
caso de elas existirem, fazer o Judiciário fiscalizar o seu cumprimento.
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