domingo, 22 de janeiro de 2017

Sobre a coesão sequencial

A coesão sequencial assegura a continuidade lógica dos componentes textuais. Ao contrário da coesão referencial, que retoma ou antecipa partes do texto, ela opera mediante acréscimos, correlações, uso de conectivos ou pela simples ordenação linear. Sua quebra ocorre, entre outros casos, quando
a) não se respeitam as correlações entre os modos e tempos verbais (ver, sobre o assunto, matéria nossa no número 73 da revista Língua Portuguesa);
b) não se usam adequadamente os conectivos, como nestas passagens retiradas de redações (entre parênteses estão as formas corretas):
- “O avanço tecnológico, além de suas vantagens e comodidades, traz preocupação a todos nós” (apesar de) -
- “Não queria deixar vovó sozinha a tão pouco tempo da morte do meu avô” (“há”, pois a preposição indica tempo futuro) -
- “O cigarro é uma irracionalidade, mas não podemos aplaudi-lo” (logo, por isso) -
- “O sofrimento é uma etapa da vida em que todos passam por ela” (“pela qual”, suprimindo-se o pleonástico “por ela”) -   
- “Perdi meu pai e fui morar com um sacerdote ao qual aprendi as minhas primeiras noções de latim” (com o qual) -;
c) não se observa a simetria entre os consequentes dos pares correlativos (alguns... outros; não somente... como também; tanto... quanto; etc.).
Por terem o mesmo valor sintático, os consequentes desses pares devem apresentar a mesma forma. Nem sempre os alunos observam isto, como se vê na passagem abaixo:
“Com o aumento da criminalidade no Brasil, a população busca reagir, alguns de maneira irracional ao tentar fazer justiça com as próprias mãos, enquanto outros acreditam que a redução da maioridade penal contribuiria para amenizar esse quadro.”
O estudante se refere a dois grupos populacionais que têm reações distintas ao aumento da criminalidade. Articula essa referência por meio de uma correlação introduzida, respectivamente, por “alguns” e “outros”. A correlação é contudo falha, pois o consequente de “alguns” aparece como termo simples (“de maneira racional”), e o de “outros” como uma oração (“enquanto outros acreditam que a redução da maioridade etc. etc.”).  
         A falta de correlação não é somente sintática; é também semântica. Se “alguns” reagem de maneira irracional, espera-se que a atitude de “outros” se caracterize por alguma racionalidade; o aluno preparou o leitor para a oposição. No entanto ele próprio contesta essa possibilidade ao qualificar como uma “mera crença” a ideia de que a maioridade penal vá reduzir a prática dos crimes. Se essa crença é ilusória, não constitui uma alternativa racional; logo, o paralelo proposto não se realiza.  2
Nesta passagem de uma redação sobre a escrita na internet, verifica-se uma quebra de simetria no uso de “não só... como também”:
“A internet atraiu um número significativos de adeptos por todo o mundo, tornando a escrita não só um dos principais meios de interação como também ampliou o acesso das pessoas a esse tipo de linguagem, mesmo que seja por meio de um teclado e não através de um mouse.”
É fácil perceber a quebra. Após o primeiro membro do par correlativo (não só), aparece um termo simples, centralizado pelo sintagma “meios de interação”. Já depois do segundo (como também), figura um enunciado oracional. O problema pode ser resolvido com o simples deslocamento de “não só” para antes do verbo:
“A internet atraiu um número significativos de adeptos por todo o mundo. Ela não só tornou a escrita um dos principais meios de interação, como também ampliou o acesso das pessoas a esse tipo de linguagem, mesmo que seja por meio de um teclado e não de um mouse.”
Rupturas na coesão sequencial não constituem propriamente infrações gramaticais. Dizem respeito à arquitetura do texto e interferem na legibilidade, por isso devem a todo custo ser evitadas.  

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