sexta-feira, 9 de dezembro de 2016

A boa escrita

     Você escreve certo ou escreve bem? Essa pergunta pode soar estranha, mas o fato é que nem sempre um texto correto é um texto bem escrito. Para chegar à correção, basta que se tenha o domínio das normas de gramática.
      o bem escrever pressupõe algo mais. Depende de consciência linguística. Quem a tem fica menos ligado nas regras do que no poder comunicativo e no valor expressivo das palavras.
     A consciência linguística está levando, por exemplo, à aposentadoria da mesóclise. Antigamente era sinal de distinção encher o texto de “far-lhe-ei”, “dir-te-ia”, “vê-lo-ás” e construções semelhantes. Jânio Quadros, que era professor de português, notabilizou-se por empregar o pronome no meio do verbo até em bilhetinhos para os assessores.
      Hoje se prefere dizerLhe farei uma visita” a “Far-lhe-ei uma visita”. A segunda construção soa pernóstica, pouco natural. A pronúncia retorcida das construções mesoclíticas não resistiu ao despojamento e ao dinamismo próprios da nossa época. Escrever bem hoje é valorizar as formas breves e simples, que atingem com mais eficiência o leitor.
    Não foi apenas a mesóclise que se ausentou do cardápio. No plano semântico, passou-se a valorizar as palavras de uso comum. “Propósitoem vez de “desiderato”; “destacado” no lugar de “conscípuo”; “desprezívelpreferencialmente a “despiciendo”.
    No domínio da sintaxe, períodos longos e invertidos deram lugar às orações absolutas e à ordem direta. Em vez de “Ontem, depois de horas de espera, quando ninguém mais achava que o roqueiro Z aparecesse, ele resolveu sair do hotel e dar autógrafos aos fãs” – prefere-se esta construção mais e simples e clara: “Ontem o roqueiro Z resolveu sair do hotel e dar autógrafos aos fãs. Isso depois de horas de espera, quando ninguém mais achava que ele aparecesse”.
       Escrever bem é pensar no leitor. Não é justo fazê-lo quebrar a cabeça com períodos quilométricos ou palavras cerebrinas. Por sinal, acabei de fazer isso ao usar o termo “cerebrinas”. O consolo é que ninguém perde nada indo ao dicionário. A simplificação da linguagem, própria dos tempos que correm, não nos deve levar a esquecer esse hábito salutar.

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